segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Estudo da possibilidade jurídica da convocação de uma constituinte exclusiva, bem como da dupla revisão no ordenamento jurídico


 Este trabalho fiz em  parceria com colegas da disciplina de Direito Constitucional II que cursei na UDF - Centro Universitário do Distrito Federal em Brasília. Uma discussão a respeito da possíbilidade de se fazer emendas em relação ao Poder Constituinte Originário.


1. INTRODUÇÃO
O tema proposto “Estudo da possibilidade jurídica da convocação de uma constituinte exclusiva, bem como da utilização da dupla revisão no ordenamento jurídico nacional” se centra na análise do instituto da Reforma Constitucional e seus limites, tema esse que desperta polêmica entre os doutrinadores, e remete à clássica discussão em torno dos conceitos de Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado.

1.1. Poder Constituinte Originário
O Poder Constituinte Originário nasce da vontade comum do povo, que escolhe um corpo de delegados, conferindo a ele porção necessária do poder total da nação para que estabeleça mecanismos necessários à manutenção da boa ordem, para a adoção de decisões fundamentais sobre o modo e a forma de existência política da sociedade e, nas sociedades democráticas, estabelecer a separação de poderes, a forma de sua aquisição e de seu exercício, bem como os direitos fundamentais. Como obra do Poder Constituinte Originário, nasce a Constituição, cuja principal função é positivar a vontade comum da nação.
Como expressão da vontade política da sociedade, o Poder Constituinte Originário tem a natureza de poder político, porque exercido não com base em norma jurídica, mas fundamentado apenas na intenção natural da comunidade.
Em síntese, o Poder Constituinte Originário é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente incondicionado e soberano na tomada de suas decisões.
Ponto controverso na doutrina encontra-se na existência ou não de limites ao Poder Constituinte Originário.  Há a corrente jusnaturalista, para a qual esse poder não seria totalmente autônomo na medida em que haveria uma limitação imposta, que seria o respeito às normas do direito natural.  Conforme anota J. H. Meirelles Teixeira, “está o Poder Constituinte limitado pelos grandes princípios do bem comum, do direito natural, da moral, da razão” (1). Contudo, a maioria dos doutrinadores adota a corrente positivista para a qual o Poder Constituinte Originário é totalmente ilimitado.
1   TEIXEIRA, J. H. Meirelles, Curso de Direito Constitucional, 1991, p. 213.
1.2. Poder Constituinte Reformador
Porque a sociedade está em constante mutação, não se pode pretender uma Constituição imutável, não sujeita a alterações após a sua promulgação pela assembléia constituinte. Mas, se a Constituição é resultado da vontade comum de um determinado grupo social, em havendo redirecionamento dessa vontade, há necessidade de reforma do seu texto. Nessa perspectiva, o poder de reforma da Constituição tem caráter instrumental, no sentido de que a ele incumbe a defesa da Constituição, proporcionando os acertos e as acomodações necessárias em razão dos novos anseios sociais que invariavelmente ocorrem.
Como poder que tem origem na própria Constituição, o Poder de Reforma é um poder derivado, jurídico e limitado. Derivado porque decorre do Poder Constituinte Originário; jurídico porque está contido na Constituição; e limitado porque submetido a formas constitutivas só podendo decidir algumas coisas segundo a Constituição.  Na doutrina, praticamente não há divergências sobre ser o poder de reforma um poder derivado e jurídico. O debate está em torno dos limites da reforma constitucional, especialmente dos limites materiais, como será tratado mais adiante.

1.3. A Reforma Constitucional
A reforma constitucional é o processo formal de mudança das constituições rígidas, por meio de atuação de certos órgãos, mediante determinadas formalidades, estabelecidas nas próprias Constituições para o exercício do Poder Reformador.
Porém, tal reforma constitucional necessita ser limitada, pois senão todos os preceitos constitucionais poderiam ser alterados ou suprimidos, inclusive aqueles preceitos que espelham o próprio espírito da Constituição.
Os limites podem ser expressos ou implícitos. Quanto aos limites expressos, a doutrina pacificamente conhece sua existência e necessidade. Todavia, no que tange aos chamados limites implícitos, existem divergências, e é no campo dessas divergências que será analisado o tema proposto no presente trabalho.
No que tange às limitações explícitas, restam evidentes a partir da letra expressa da Constituição.  São elas: temporais, circunstanciais, materiais e formais.
As limitações temporais verificam-se quando há norma constitucional expressa que estipula certo prazo mínimo a ser observado pelo Poder Constituinte Constituído para que proceda à reforma da constituição. Nesse período, o poder de reforma fica como que paralisado, implicando intangibilidade temporária da Constituição.
Nossa atual Constituição da República não possui limitação temporal expressa à reforma constitucional (aqui se diferenciando da Revisão procedida nos termos do artigo 3º do ADCT).
As limitações circunstanciais são aquelas que visam a impedir a modificação da Constituição em se verificando a ocorrência de situações excepcionais, capazes de influir na livre manifestação do Poder Constituinte Revisor, são elas: o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal – artigo 60, § 1º da Constituição.
As limitações materiais são aquelas que a Constituição estabelece que determinado conteúdo não pode ser objeto de modificação. Elas encontram-se especificadas no artigo 60, § 4º e são elas: i) a Federação; ii) voto direto, secreto, universal e periódico; iii) a separação dos Poderes e iv) os direitos e garantias individuais.
As limitações formais ou procedimentais concernem ao rito processual da reforma, abrangendo questões atinentes à sua iniciativa, à sua tramitação e à sua aprovação. No que tange à iniciativa é ela privativa e concorrente, estando declinados no artigo 60, incisos I, II e III os sujeitos que poderão apresentar à apreciação do Congresso Nacional proposta de Emenda à Constituição.
O quorum de votação, por seu turno, é regulado pelo artigo 60, § 2º, o qual exige que a proposta de emenda seja discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
Por fim, a promulgação da Emenda é realizada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com seu respectivo número de ordem, sendo, depois de publicada no Diário Oficial, nos termos em que resta estatuído no artigo 60, § 3º.

2. AS LIMITAÇÕES EXPRESSAS E A TEORIA DA DUPLA REVISÃO
A partir da letra expressa da Constituição, questão que se impõe, e que expressa uma das abordagens do presente trabalho, é a de se saber se a própria cláusula que estabelece as matérias vedadas ao poder de reforma do Poder Constituinte Derivado pode vir a ser abolida.
Acerca da cláusula que estabelece limites materiais explícitos, sustenta Jorge Miranda (2), doutrinador português, que, in verbis: “A ratio legis de uma cláusula de limites é a mesma que preside à rigidez constitucional: a garantia através da dificultação do processo, a limitação do poder. Para não ser posta em causa, ela exige uma segunda revisão –ou seja , uma manifestação reiterada da vontade de revisão, uma segunda maioria em sentido idêntico ao da primeira, em momento ulterior. Exige isto, mas não exige mais do que isto.”
(2)  Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional.  Coimbra Editora Limitada, v. 2. 2ª ed., Coimbra, 1988.
Deste modo, para o jurista português em referência, não haveria limites absolutos à atuação do Poder Constituinte Derivado, mas, exclusivamente, uma limitação relativa, representada por um processo legislativo de aprovação mais dificultoso – qual seja, a dupla revisão, o qual, quando observado, autorizaria a modificação das cláusulas de limites materiais.
Canotilho (3), por sua vez, perfilha entendimento contrário, afirmando que: “A tese do duplo processo de revisão, conducente à relatividade dos limites de revisão, parece-nos de afastar. Já atrás, ao tratarmos da tipologia das normas constitucionais, tínhamos alertado para o facto de as normas de revisão serem qualificadas como normas superconstitucionais. Elas atestariam a superioridade do legislador constituinte e a sua violação, mesmo pelo legislador de revisão, deverá ser considerada como incidindo sobre a própria garantia da Constituição. A violação das normas constitucionais que estabelecem a imodificabilidade de outras normas constitucionais deixará de ser um ato constitucional para se situar nos limites de uma ruptura constitucional. Neste caso, sim, as disposições do art. 286º e ss serão simples proibições ineficazes em face de alterações constitucionais directamente dirigidas à ruptura constitucional. Por outro lado, a supressão dos limites de revisão através da revisão pode ser um sério indício de fraude à Constituição.”
(3) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Livraria Almedina. Coimbra. Portugal. 1987.
Em que pese a linha argumentativa apresentada por Jorge Miranda, entende- se que a teoria da “dupla revisão” não se coaduna com a lógica do Poder Constituinte. Ora, o Poder Constituinte Derivado é um poder menor, isto é, por ser jurídico, tem sua atuação delimitada pelas regras estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário, delas não podendo desbordar, sob pena de estar usurpando competência que não possui.
Assim sendo, partindo-se da premissa de que a cláusula de limitação ao poder de reforma é produto da vontade soberana do povo, titular legítimo do Poder Constituinte Originário, o seu afastamento via iniciativa do Poder Constituinte Derivado é, a toda evidência, usurpação de poder.
É esse o entendimento que se perfilha acerca do procedimento da “Dupla Revisão”, em nosso ordenamento jurídico.
3. AS LIMITAÇÕES IMPLÍCITAS OU TÁCITAS AO PODER DE REFORMA
Muito se controverte a doutrina acerca da existência de limites implícitos ao Poder Constituinte Reformador, preferindo alguns juristas sustentar a tão só aplicação de limitações materiais expressas no texto constitucional.
Contudo, é pacífico entre os grandes constitucionalistas brasileiros a existência de limitações materiais implícitas ao poder de reforma constitucional. Nesse sentido, a teoria dos limites implícitos foi amplamente desenvolvida por Nelson de Sousa Sampaio (Bahia, 1954) em sua obra intitulada “O Poder de Reforma Constitucional”.
Apresenta, o autor, em sua obra, quatro categorias de normas constitucionais que não podem ser objeto do Poder Constituinte Revisor.
A primeira delas seriam as normas constitucionais que dispõem acerca dos direitos fundamentais. Os comandos que contemplassem preceitos desta natureza até poderiam ser formalmente modificados, porém, seu conteúdo seria intangível.
A segunda categoria são aquelas atinentes à titularidade do Poder Constituinte Originário, posto que o Poder Instituído não pode voltar-se contra o criador, destruindo a ordem em que se baseia sua própria competência. Caso se verificasse tal situação estar-se-ia em face de um processo de ruptura, o qual romperia com os limites de uma autêntica reforma constitucional. Ademais, a titularidade do Poder Constituinte Originário é do Povo e a soberania popular é inalienável, não podendo o Poder Reformador dispor de uma competência que lhe foi unicamente delegada.
Como terceira categoria situam- se aquelas referentes à titularidade do Poder Constituinte Reformador, sendo sua competência indelegável e irrenunciável.
Por fim, a quarta e última espécie de limite é aquele que se contém em normas que tratam do Processo Formal de Revisão Constitucional. Não obstante entendimento contrário do insigne jurista português Jorge Miranda sobre a teoria da dupla revisão, já mencionada, a rigidez é sim um limite implícito dirigido ao Poder Constituinte Reformador que o impede de tornar menos solene o processo de criação de uma Emenda Constitucional.
Ora, se o Poder Constituinte Originário estabeleceu o modo como poderia ser reformada a Constituição, não se pode admitir que o Poder Constituinte Derivado simplifique tais exigências, conduzindo, por assim dizer, a uma flexibilização da rigidez constitucional. Seguindo o ensinamento do Abade Sieyès (4): “Nenhuma espécie de poder delegado pode alterar qualquer coisa nas condições de sua delegação”.
(4) SIEEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa – Qu’est-ce que le Tiers État?. Rio de Janeiro. Editora Líber Júris Ltda. 1986.
Qualquer tentativa de modificação do Sistema de Revisão Constitucional traduz-se em flagrante menosprezo à soberania popular, única e genuína titular do Poder Constituinte Originário.
Paulo Bonavides (1997, p.178), em seu “Curso de Direito Constitucional”, ressalta o Princípio Jurídico da Reforma Constitucional, ou seja, o povo é efetivamente o titular o Poder Constituinte Originário, sendo-lhe reconhecido o direito imprescritível de reformar os artigos da Constituição que se mostrarem dissonantes da sua realidade sócio-política, contudo, o processo de revisão é jurídico, devendo, deste modo, desenvolver-se nos termos do quanto regulado pela própria Constituição. É a afirmação da limitação implícita da “rigidez da Constituição”, a qual, também, defendemos.
4. A POSSIBILIDADE DE CONVOCAÇÃO DE UMA CONSTITUINTE EXCLUSIVA
A luz dos temas abordados anteriormente, o que se busca agora é saber se a convocação de uma Assembléia de Nacional Constituinte exclusiva pode ser aceita, e se tal procedimento é constitucional ou não.
Primeiramente, cabe ressaltar que nossa Constituição é da espécie rígida e que a rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal.
Entende-se que mesmo sendo rígida, pode-se modificar a Constituição. José Afonso da Silva (São Paulo, 2008), em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, denomina reforma constitucional o gênero que abarca as espécies revisão e emenda à constituição.
A Constituição prevê duas maneiras de reforma: a Emenda Constitucional e a Revisão Constitucional única. A primeira está prevista em seu art. 60 e a segunda no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Esta, como previsto, realizou-se após cinco anos da promulgação da Constituição, em sessão unicameral do Congresso Nacional, decidindo pela maioria absoluta dos membros. Posto que norma transitória, e já tendo sido realizada tal revisão, sua eficácia encontra-se esgotada. Não mais é possível realizar nova revisão constitucional. Assim, qualquer mudança formal na Constituição só deve ser feita legitimamente com base no seu art. 60, ou seja, pelo procedimento das emendas com os limites dali decorrentes. Conclui-se, desta maneira, que o único procedimento formal de reforma constitucional ora admitido é a Emenda à Constituição.
Tendo em vista todo o exposto, pode-se entender, de um ponto de vista formal, pela Inconstitucionalidade da convocação de uma constituinte exclusiva. Dado que feita a revisão constitucional prevista no ADCT ela esgotou sua eficácia, sendo cabível, desde então, apenas o procedimento da Emenda Constitucional como forma de revisão. Há, ainda, a limitação implícita quanto à inalterabilidade do procedimento de reforma da constituição, segundo a tese de Souza Sampaio, já comentada. Também, o Congresso Nacional, sendo poder instituído com competência constituinte derivada, submete-se ao estabelecido pelo Poder Constituinte Originário, sendo que uma alteração em contrário poderia significar usurpação de poderes por este e ruptura institucional. Nem mesmo um referendo poderia convalidar o ato, posto que ainda assim fere limitação implícita. Se o Poder Constituinte Originário fosse chamado a se manifestar, não o deveria ser para apenas convalidar um ato (ou seja, pronunciar apenas ao final), mas sim para constituir.
Dessa forma, com uma possível aprovação da proposta, a Emenda Constitucional que convocasse uma constituinte exclusiva poderia se objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Cabe, ainda, ressaltar, que sendo o Poder Constituinte Originário ilimitado, se convocado (por meio da escolha de representantes para uma Assembléia Constituinte) de forma limitada, ou seja, restringindo o conteúdo passível de discussão, teríamos, no caso de convalidação, a usurpação do poder constituinte por aquele que o convoca. Ou seja, o poder instituído (seja o Executivo ou o Congresso Nacional) no momento em que conclama o poder constituinte a se manifestar de forma limitada toma seu o posto.
Quando este é limitado perde uma de suas características vitais deixando de ser poder constituinte e aquele que o limita deixa de agir como instituído para atuar como instituidor, em total desrespeito aos limites implícitos da Constituição.
Ainda, quanto a possível aprovação de Emenda que convocasse uma constituinte exclusiva, pode-se especular qual posicionamento seria adotado pelo Supremo tribunal Federal, posto que, não obstante Propostas de Emendas a Constituição que visam à convocação de uma constituinte exclusiva, como as PEC 157/2003 e a PEC 554/1997, estarem, ainda em tramitação no Congresso Nacional, e sobre elas não haver, ainda, um posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF, no caso em sede de Mandado de Segurança, cabe aqui destacar Ementa do Acórdão do STF (5), da relatoria do Exmo Sr Ministro Marco Aurélio, ao julgar a medida cautelar requerida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.722-0, ocorrido em 10 de dezembro de 1997, na qual o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB argüiu a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 05, de 24 de julho de 1995, do Estado do Tocantins, que prevê a possibilidade da Constituição Estadual ser revista por proposta de um terço dos membros da Assembléia Legislativa, discutida e votada em turno único, considerando-se aprovada a emenda que obtivesse a maioria absoluta dos votos dos membros da Assembléia Legislativa, dentre outras medidas. No caso, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos decidiu suspender cautelarmente a referida Emenda Constitucional do Estado do Tocantins, in verbis:
rodapé da página anterior ver número (5) (5) Processo: ADI-MC 1722/TO, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, Órgão Julgador: STF - Tribunal Pleno, Data do Julgamento: 10/12/1997, Data da Publicação/Fonte: DJ 19-09-2003 PP-00014.
“REVISÃO CONSTITUCIONAL – CARTAS ESTADUAIS. Ao primeiro exame concorrem o sinal do bom direito, o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo estadual e a conveniência de suspensão no que, mediante emenda constitucional aprovada por assembléia legislativa, previu-se a revisão da Carta local, estipulando-se mecanismo suficiente a torná-la flexível, ou seja, jungindo-se a aprovação de emendas a votação em turno único e por maioria absoluta. Ao Poder Legislativo, Federal ou Estadual, não está aberta a via da introdução, no cenário jurídico, do instituto da revisão constitucional”. (grifo nosso)

5. CONCLUSÃO
Com base no quanto aqui exposto, resta evidente que a uma proposta de Emenda Constitucional que vise à convocação de uma constituinte exclusiva ou uma Emenda Constitucional que vise retirar uma dos limites expressos da Constituição, para adotar a dupla revisão, padece de vícios graves de inconstitucionalidade, ao violar as limitações implícitas e explicitas, respectivamente, ao Poder de Reforma, em especial, a atinente à Rigidez da Constituição Brasileira de 1988.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS


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BRASIL. Supremo Tribunal federal. ADI-MC 1722/TO. Requerente: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 10 de dez. 1997. Data da Publicação/Fonte: DJ 19 de set. 2003. PP-00014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=revisão%20adj%20constitucional%20e%20cartas%20adj%20estaduais&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 de abr. 2009.

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CANELLO, Júlio. A revisão constitucional e PEC 157-A/03: (in)constitucionalidade e manobra política. Revista eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 1, n. 2, p. 31-50, jul. 2006. Disponível em: <http://www.ufsm.br/revistadireito/arquivos/v1n2/a3.pdf>. Acesso em: 23 de abr. 2009.

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TEMER, Michel. Parecer do Relator à Proposta de Emenda à Constituição nº 157/2003, que convoca assembléia de revisão constitucional e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, 2005. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=295147>. Acesso em: 23 de abr. 2009.

sábado, 16 de outubro de 2010

Refletindo sobre Gangues e Galeras!

Galeras Cariocas


             Esta parte do trabalho integra o trabalho final do Curso que realizei em Brasília na UNB no curso Direitos Humanos e Cidadania e irá tratar sobre as galeras. Um movimento transgressor bastante comum em grandes cidades, em especial no Rio de Janeiro. Inicialmente situaremos o jovem contemporâneo na sociedade e suas implicações na moldura de comportamentos que desafia a ordem estabelecida pelo tecido social. Em seguida, analisaremos as gangues nos Estados Unidos e as galeras na França. No final trataremos das galeras brasileiras demonstrando toda a sua peculiaridade, do seu caráter festivo e da diferença que há entre as galeras e as quadrilhas.  Deste modo, teremos uma idéia mais substantiva a respeito do movimento das galeras cariocas que muitas da vezes é encarado como algo marginal.

           A tarefa de definir o jovem contemporâneo não é fácil.  O que se observa na atualidade é uma mercantilização da imagem do jovem por meio da sua rotulação , ou seja, o fato deles terem se tornarem uma espécie de mercadoria que seduz os consumidores de todas as idades, tudo isso  gerado por uma cultura de massa. O “jovem” é usado como símbolo de rebeldia e principalmente de mudança. Tudo isso desemboca numa diversidade cultural criada pelos adolescentes contemporâneos que envolve todo um comportamento de rebeldia, agitação, mal-estar, tensão, crise psicológica e conflito. Com efeito, a mudança é a tônica da vida do jovem,  ou seja, a busca por aquilo que não é uniforme e estático.
 Analisando as gangues dentro da sociedade norte-americana, nos anos 60 verificou-se que elas estavam intimamente ligadas a alguns fatores como às frustrações deles em não terem oportunidades de ascensão social, toda uma geração de imigrantes excluída na sociedade e por uma rotulação que se fazia dos jovens pobres ou eticamente inferiorizados. Na verdade, o que se observava era que na cidade havia grupos de interesses, de pressão de diverso tipos vivendo num ambiente de conflito entre eles. A divisão do espaço urbano refletia os valores culturais marcados pelo individualismo que agravava a competição no mercado e a obtenção de sucesso. Desta forma, o que é peculiar nas gangues norte-americanas são as relações que mantêm com a vizinhança do bairro onde moram, suas atividades legais e ilegais, os estilos de consumo, os símbolos, seus rituais, a organização hierárquica entre eles e o conflito entre gangues. Mais uma vez, esse tipo de transgressão reflete valores da cultura norte-americana. 
Já na Europa a nova onda de criminalidade é justificada pela exclusão social. Além disso, a questão da exacerbação dos sentimentos nacionais e identidade étnica geram bastante violência. Fruto da exclusão social os movimentos das galères na França, menos violentos que nos EUA, são muito mais atos de incivilidades, não há um inimigo claro. Diferenciando as gangues francesas das norte-americanas via-se que na França os grupos não estavam tão vinculados ao crime organizado. 
Outro aspecto é o cultural, na Europa os índices de criminalidade baixaram muito devido a idéia de comunitarismo, solidariedade e coletividade que tinham grandes pesos nos arranjos sociais, enquanto que nos EUA o que prevalecia era a individualização e a competição de mercado. 
No Brasil do início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro era  representada concomitantemente pela rivalidade e o encontro dos diferentes segmentos sociais, que realizavam competições pacíficas como os concursos e desfiles carnavalescos. Contudo, com o processo de globalização a indústria cultural alterou essa situação, principalmente criando novos comportamentos baseados em valores de consumo. Sendo assim, a situação do jovem mudou, diferente dos EUA onde a família tem um grande valor moral, no Brasil os laços familiares foram divididos devido a ruptura da base familiar que provinha toda a educação do jovem. Além disso, de um modo geral outro fator de desestruturalização social  é o fato do processo civilizador ter sido interrompido e vem sofrendo uma involução, surgindo assim uma violência dentro das próprias classes, ou seja, o que eles chamam de “molecular” dentro dos mesmos segmentos, classes sociais, grupos étnicos e até na mesma vizinhanças. 
As pessoas em geral costumam confundir “quadrilhas” de bandidos com galeras, porém, na verdade, são grupos bastante distintos. Nas quadrilhas há uma preocupação em se enriquecer rápido, seja matando ou roubando. Mesmo dentro das quadrilhas existem diferentes tipos de bandidos, desde ladrões pobres que roubam apenas para sua sobrevivência e que nem usam armas, até bandidos que roubam e matam pelo simples prazer. Um dos pontos críticos das “quadrilhas” são os efeitos desastrosos da guerra entre as próprias “quadrilhas, nas quais, segundo Alba Zaluar, são responsáveis por quase a totalidade dos mortos, devido à luta entre bandidos que acabam se matando pelos mais diversos motivos. O uso de armas, por sua vez, é um símbolo de poder , ostentação e virilidade. A honra na periferia é defendida ao extremo, o “barato” é ser esperto e não deixar ser passado para trás. “Mais humilhante do que ser pobre é ser um “bobo”.
 
Já que o Estado não propicia a educação que é importante na formação do caráter do indivíduo, além do próprio Estado violar a dignidade desse povo humilde ao não fornecer o mínimo necessário para uma vida digna, as pessoas procuram em seu próprio meio, ter pelo menos prazer de ser melhor que os marginalizados que vivem ao seu redor.
 Em contrapartida,as galera brasileiras, assim como na França, possuem a característica de não possuir um líder instituído ou qualquer ritual de admissão, ao praticarem atividades ilícitas estas são de forma passageira, sem ser um meio de vida. Ao diferenciar as “quadrilhas” das “galeras” verifica-se que as “quadrilhas” são, na verdade, uma escola do crime, enquanto que as galeras têm mais um espírito lúdico, sua principal atividade não é a luta e sim o baile, estas têm características peculiares do carioca que é o caráter festivo. 
Desmitificando a imagem das galeras no Rio de Janeiro e fazendo um raio x da situação do jovem atual, verificamos que a transgressão assume diversas formas, seja nos Estados Unidos com as gangues ou na França com as galères, o jovem procura buscar uma identidade própria. Uns vêem na transgressão criminal uma forma de ascensão social e a busca pelo sonho que a indústria de cultural transmite por meio de valores consumista. Outros procuram transgredir por meio da música, da dança, dos bailes funk, em resumo, através da diversão sem que isso prejudique outras pessoas. Assim são as galeras cariocas, transgressores da diversão, diferentes das “quadrilhas” transgressores da vida. 

Bibliografia: Vianna, Hermano – Galeras Cariocas, territórios de conflitos e encontros culturais .Editora UFRJ 1997

Sabendo mais sobre Goffman



Olá pessoal!

Fiz a ficha de leitura do autor Erving Goffman que é um autor bastante conhecido por seus trabalhos dentro das prisões. È um sociólogo americano que trabalha com três instituições: presídios, manicômios e conventos. Nomeia-as de “instituição total”. Para entender o cotidiano de cada uma, ele utiliza-se do método de observação participante e se envolve no dia a dia de seus pesquisados. Espero que gostem. A intenção é enriquecer a visão de vocês sobre presídios, e o que realmente acontece numa instituição fechada como esta.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 6a. ed. São Paulo: Perspectiva S.A. 1999.


      Goffman classifica como “instituição total” todos os estabelecimentos sociais que se apresentam como um local de residência e trabalho, onde um grande número de indivíduos com situação semelhante se encontram separados da sociedade por um considerável período de tempo que levam uma vida “fechada e formalmente administrada” (1999:17-18).
       Toda a instituição tem tendência de “fechamento”, sendo que algumas são mais fechadas do que outras. Para  Erving Goffman seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado pela barreira `a  relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídos no esquema físico da própria instituição – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas, pântanos.
       Num grau máximo de  restrição, encontram-se as prisões. Sendo que as mesmas não permitem qualquer contato entre o internado e o mundo exterior, até porque o objetivo é excluí-lo totalmente do mundo imaginário, a fim de que o internado absorva totalmente as regras internas, evitando comparações prejudiciais ao processo de “aprendizagem”.
       O presente trabalho se concentra na terceira categoria de instituição total classificada por Goffman, ou seja, nos presídios ou instituições carcerárias.
       Sobre seu aspecto de instituição total, “transformadora de indivíduos” podemos lembrar os ensinamentos de Foucault, no sentido de que a obviedade da prisão se fundamenta   também em seu papel, suposto ou exigido, de aparelho de transformar os indivíduos. Como não seria a prisão imediatamente aceita, pois se só o que ela faz, ao encarcerar, ao retreinar, ao tornar dócil é, reproduzir, podendo sempre acentuá-los um pouco, todos os mecanismos que  encontramos no corpo social?
       Dentro da instituição carcerária, o ser humano é “desprogramado” por um processo desumano, como afirma Goffman, que começa já na sua recpção, por meeios de rituais, conhecidos, como “boas vindas”, onde a equipe de supervis~;ao, o grupo de internados, ou ambos, procuram deixar de forma bem clara a situação inferior no grupo em que estão adentrando.
       Ao entrar no presídio o apenado é totalmente despido do apoio dado no mundo externo. E começa então, “uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu” (GOFFMAN, 1999:24). O internado começa a passar por muitas mudanças radicais na sua “carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e ao respeito dos outros que são significativos para ele” (GOFFMAN,1999:24).
       Como observa goffman, o eu da pessoa passa por uma série de morticações, dentre os quais estão:

1a.- A barreira que o presídio estabelece entre o internado e o mundo externo. Ocorrendo então, um “despojamento do papel”, pois existe inicialmente a proibição de visitas vindas de fora, e também as saídas do estabelecimento, acontecendo assim uma ruptura inicial profunda com os papéis que a pessoa desenvolvia anteriormente, assim como uma avaliação da perdad desse papel. Alguns papéis até podem ser recuperados pelo internado,q   quando ele voltar ao convívio social, mas, outras perdas são no entanto, e podem ser dolorosamente sentidas como tais: pode não ser possível recuperar, o teível recuperar, o tempo não empregado no processo educacional ou profissional, no namoro, na criação de filhos, etc.
       Estas grandes perdas podem ser sentidas também no aspecto legal, da vida do apenado,como bem coloca Goffman, cita a perda temporária dos direitos de assinar cheque,de dispor de dinheiro, do direito de opor-se a divórcio ou adoção e de votar. Assim, como podem ter alguns desses direitos negados para sempre. A perda de alguns desses papéis já se dá no processo de admissáo, onde o novato é transformado num objeto e colocado à disposição da “máquina administrativa” do presídio, onde o mesmo é moldado  “suavemente pelas operações de rotina”.

2a. mortificação do eu – Ocorre com a perda de propriedade – O sentimento de propriedade é importante, pois as pessoas atribuem “sentimentos do eu” àquilo que possuem. A mais significativa posse que temos é o nosso próprio nome, não importando qual que seja a maneira de sermos chamados.
       Goffman afirma que o eu da pessoa  têm uma relação muito grande com o conjunto de bens que possuímos. O indivíduo precisa desses bens como: roupas, cosméticos, instrumentos para usar e consertar, e um lugar seguro para guardá-los e assim manter um certo controle de sua aparência diante dos outros.
       O presidiário, “interno”  como coloca Goffman, ao entrar no presídio é despido de sua aparência “usual”, isto é, normal,  assim como de seus pertences pessoais, provocando com isto uma “desfiguração pessoal”. Até o material básico para realizar sua higiene pode lhe ser tirado ou negado, como por exemplo, toalhas, sabão, pente, aparelho de barba, papel higiênico, etc. Ocorrendo com esta negação, uma deformação pessoal, gerada pela perda do conjunto de identidade de uma pessoa.

3a. mutilação do eu – é o padrão de deferência obrigatória adotada pelas instituições totais. Onde os internados, na maioria das vezes, são obrigados a apresentar atos verbais de deferência à equipe diretora, como por exemplo, dizer “senhor” a todo o momento. Existe a necessidade de ter que pedir, importunar e humilhar-se para obter algumas coisas que consideramos insignificantes – como fogo para acender cigarro, um copo d´ água, vontade de ir ao banheiro – Existe ainda as profanações verbais e gestuais, onde os integrantes da equipe dirigente, bem como, os outros internados, acham-se no direito de xingá-l, indicar suas qualidades negativas como se o mesmo não estivesse presente.

4a. forma de mortificação pela qual passa uma pessoa dentro do presídio é a ocorrência de uma “exposição contaminadora” (GOFFMAN,1999-31). No mundo externo, na sociedade civil, o indivíduo pode manter o seu corpo, suas ações, seus pensamentos e alguns bens fora do convívio com coisas estranhas e contaminadoras. Mas, no cárcere, esta opção lhe é negada, pois a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente não é respeitada, ao contrário é invadida, por inúmeras violações ao seu eu, tais como: violação de reserva de informação a seu respeito, violação à intimidade, como a falta de privacidade para tomar banho, usar o banheiro e dormir. Existe ainda, a contaminação pela exposição do preso com outros presos de idade, cor e raça diferentes. O presidiário pode achar que está sendo contaminado pelo contato com companheiros indesejáveis, por exemplo, o auto cita o próprio convívio em celas coletivas, que gera uma atmosfera de extrema promiscuidade.

       Dentro da 4a. forma de exposição contaminadora, encontra-se uma que é bastante comum nos presídios brasileiros, que é a violação de correspondência do preso. A Constituição Brasileira, nossa lei maior, garante que a dignidade é um bem natural e juridicamente inalienável ao ser humano, seja qual for a sua condição.
       O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos aprovado no Brasil em 1991, que tem amplitude mundial, garante no se artigo 10 que: “Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. Goffman obseva que o fato de colocar “um estranho em contato com a relação individual íntima daqueles  que são significativos para ele, faz com que a pessoa se sinta agredida, com este ato. O fato da correspondência ser lida e comentada gerando com isso deboches, faz com que o preso se sinta diante de uma situação contaminadora.
       Pela norma constitucional “ O condenado aprisionado, além de não perder sua natureza humana conserva o direito à dignidade que lhe é inererente e àqueles que dela decorrem, no caso, a privacidade e a intimidade” ( Art. 5o XLIX, CF).
       Outra forma de exposição contaminadora que o preso depara-se é o fato de ter que executar uma rotina diária  de vida que considera estranha a ele. Existe toda a problemática sexual, que atua como ataques ao eu do preso, como a repressão do instinto sexual, pela obstinência, pelo onanismo e principalmente pela adoção forçada de práticas de homossexualismo. Pois, segundo Goffman a negação de opurtunidades para relações heterossexuais pode provocar o medo da perda da masculinadade.
       Outra forma bastante comum que se verifica nos presídios, é a respeito de alimentos sujos, locais em desordem, toalhas sujas e péssimas condições materiais que se encontram os banheiros.Além  da obrigação de tomar medicamentos orais e intravenosos e ter que comer alimentos, por menos agradável que este seja.
       O “processo de mortificação” leva o internado a se afastar de problemas a fim de evitar incidentes, relevando sua autonomia de vontade, recebendo sua instrução formal e informal, buscando sempre um comportamento que o afaste de sofrimentos físicos e psicológicos. O autor salienta que existe formas eficientes para  “perturbar” a economia da ação de um indivíduo. A obrigação por pedir permissão e instrumentos para realizar alguma atividade secundária – são exemplos de submissão que normalmente a pessoa executaria sozinha no mundo externo. Essas obrigações de submissão fazem com que o presídio se torne um ambiente antinatural, pois o processo de desprogramação do indivíduo é tão violento, que muitas vezes, chegada à época de saída do presídio com o cumprimento final de sua pena, são constatados casos de ansiedade, angústia e medo de se adaptarem novamente  a sociedade, já que estão perfeitamente adaptados às regras de sua instituição total.